sábado, 3 de março de 2012

Carta de René González a seu irmão Roberto!


Fonte: Max Altman, por email.
Roberto González está internado em um hospital de Havana lutando pela vida. O advogado de René requereu da juíza Lenard de Miami que pudesse viajar a Cuba e lá permanecer por duas semanas para poder estar ao lado do irmão. René está cumprindo uma odiosa ‘liberdade supervisionada’ de 3 anos. Já cumpriu 6 meses. René espera um gesto minimamente humanitário. Quer confortar o valoroso irmão que tanto ama e que vive um delicado estado de saúde.

Meu ‘brother’ de toda a vida:

Nunca pensei ter de te escrever carta. Partilhamos o mesmo desamor pela troca epistolar, coisa bem demonstrada durante nossas respectivas missões internacionalistas ou – mais especificamente – na experiência única dos últimos vinte anos. Em outras palavras, só condições extraordinárias como as atuais me obrigariam a escrevê-la.


Se as condições fossem normais estas coisas deveria dizer-te pessoalmente  e muitas nem sequer teria de dizê-las. Deveria de ser suficiente para ti com essa luta incansável contra uma doença que procura te devorar, mas é preciso acrescentar a isso o enfrentamento contra uma doença muito mais letal: o ódio.

O ódio que não me permite retribuir-te todos os teus esforços com um merecido abraço que os Cinco gostariam de te dar.

O ódio que não me deixa unir meu sorriso a cada bom sentido do humor que emanam de tua imensa coragem.

O ódio que me obriga a adivinhar pela força do teu alento, através do telefone, o acidentado deslocamento das linhas da frente nesta batalha que travas.

O ódio que me impõe a angustia de não poder acompanhar os cuidados de todos que te querem e que me impede estar aí para apoiar Sary y os filhos.

O ódio que me nega ver como os nossos sobrinhos encaram esta situação, eles que viraram homens e mulheres durante estes anos. Quanto orgulho podes sentir de teus filhos!

O ódio que simplesmente não permite abraçar meu irmão. Que me obriga a continuar,  num um absurdo e afastado encarceramento, num processo do qual deveria fazer parte, como qualquer outra pessoa que cumpriu uma sentença de prisão, já de por si suficientemente longa, ditada precisamente pelo ódio; mas ainda insuficiente para ele.

O que fazer diante de tanto ódio? Suponho que o que temos feito sempre: Amar a vida e lutar por ela, tanto a nossa quanto a dos outros. Encarar todos os obstáculos com um sorriso nos lábios, com uma brincadeira oportuna, com esse otimismo que nos inculcaram desde a infância. Ir em frente e não fraquejar, não nos render nunca; sempre juntos e bem perto, por mais que insistam em afastar-me de meus afetos para castigar-nos assim a todos.

Hoje me lembro daqueles bonitos dias de tua época de atleta. Você na piscina e nós nas arquibancadas gritando teu nome enquanto davas braçadas e o som de nossas vozes que te chegava intermitente cada vez que assomavas a cabeça para respirar. Depois nos contavas como por vezes escutavas teu nome completo, por vezes apenas o princípio e outras vezes o final. Então treinamos para esperar que tirasses a cabeça da água e nesse instante todos, em uníssono, gritávamos teu nome. Não nos podias ver, mas o clamor de nossa presença chegava a ti e sabias que estávamos contigo embora não pudéssemos intervir diretamente na disputa que se desenvolvia na piscina.

Hoje a história se repete. Enquanto enfrentas com todas tuas forças este desafio, sigo-te animando, agora somado à família que então não tinhas construído. Embora não possas me ver sabes que estou aí, junto da tua família que é a minha. Sabes que este irmão, desde o seu insólito desterro, desde a angústia da desesperação forçada, nas condições de liberdade supervisionada mais absurda, desde a digna condição de patriota cubano que você também possui e desde o carinho semeado com o sangue e pelas vivências que nos unem  está e estará sempre contigo. Cada vez que assomes a cabeça poderás sentir meu clamor junto ao dos meus sobrinhos.

Respira irmão, respira!

Te quero

 teu ‘brother’,


René

Nenhum comentário:

Postar um comentário