sexta-feira, 12 de setembro de 2014

50 verdades sobre o pai espiritual da Revolução Cubana, José Martí

Apóstolo e herói nacional, pai espiritual da Revolução Cubana, José Martí é considerado um dos maiores pensadores latino-americanos do século XIX


Por Salim Lamrani no Opera Mundi

1. José Julián Martí Pérez nasce no dia 28 de janeiro de 1853 em Havana, da união de Mariano de los Santos Martí y Navarro e Leonor Antonia de la Concepción Micaela Pérez y Cabrera, ambos espanhóis, respectivamente oriundos de Valencia e Tenerife. É o mais velho e o único homem entre oito filhos.

2. Aos sete anos, ingressa na escola San Anacleto, onde conhece Fermín Valdés Domínguez, que se transformou em seu amigo íntimo, de quem elogiaria a “lealdade” e a grandeza.

3. Em 1862, seu pai, funcionário da Justiça, é nomeado juiz itinerante na província de Matanzas, na região central da ilha. Assim, aos nove anos, o jovem José descobre com espanto a realidade da escravidão e as condições miseráveis às quais estavam submetidas grande parte da população. O tráfico negreiro o marcaria por toda a vida e seria um dos seus principais combates. Escreveria a respeito: “Em vão os cubanos ilustres tinham pedido o fim da escravidão, que os espanhóis não pediram nunca. A Espanha, surda, era a única nação do mundo cristão que mantinha os homens na escravidão [...]. E os cubanos foram à guerra, rompendo desde de seu primeiro dia de liberdade os grilhões de seus servos, transformando, à custa de sua vida, a indignidade espanhola em um povo de homens livres. A revolução foi a que devolveu a humanidade à raça negra, foi a que fez desaparecer o fato terrível [...] A abolição da escravatura pela Assembleia de Guáimaro, no dia 10 de abril de 1869 é o feito mais puro e transcendental da revolução cubana. Tudo o que divide os homens, tudo o que especifica, separa ou encurrala é um pecado contra a humanidade.”


4. Em 1865, José Martí volta a Havana e entra para a Escola de Varones (Escola para Rapazes), onde tem um encontro decisivo: Rafael Maía de Mendive, diretor da escola, favorável à independência de Cuba, se transformaria em seu pai espiritual e seu “mestre”. Guardaria uma memória cativa dele: “Como quer que em algumas linhas diga tudo o bom e novo que eu poderia dizer daquele apaixonado pela beleza [...] [que] não escreveu jamais senão sobre verdades de seu coração ou sobre problemas da pátria? [...] Como juntou, com o carinho que emanava de sua pessoa, a quantos [...] amavam como ele a pátria”. Um ano mais tarde, José Martí entra no Instituto de Ensino Secundário da rua Obispo, em Havana, e reside na casa de seu professor Mendive.

5. No dia 10 de outubro de 1868 tem início a Primeira Guerra de Independência de Cuba. Carlos Manuel de Céspedes, considerado o “pai da pátria”, liberta seus escravos e lança do Grito de Yara durante a revolta de La Demajagua, perto de Manzanillo. O jovem Martí segue apaixonadamente os acontecimentos graças às notícias dadas a ele por Mendive e publica um soneto à glória dos mambises (guerrilheiros independentistas cubanos) intitulado "10 de outubro!". Para Martí, a abolição da escravatura decretada por Céspedes constitui “o primeiro ato como nação” de Cuba.

6. No dia 19 de janeiro de 1869, aos 16 anos, Martí lança, com seu amigo Fermín Valdés, o diário El Diablo Cojuelo  no qual fustiga o sistema colonial e milita a favor da soberania de Cuba: “Os direitos se tomam, não se pedem; se arrancam, não se mendigam”. Nesse mesmo mês, Martí estreia seu diário La Patria Libre que terá apenas um exemplar. Publica seu poema Abdala no qual sela seu destino: “Oh! Que doce é morrer quando se morre lutando audaz para defender a pátria!”.

7. No dia 21 de outubro de 1869, as autoridades coloniais prendem José Martí depois de descobrir uma carta, assinada por ele e Fermín Valdéz, que qualifica seu companheiro Carlos de Castro y Castro de “apóstata” por integrar o Corpo de Voluntários a serviço da coroa. O jovem Martí é declarado “inimigo da Espanha”.

8. Cinco meses depois, no dia 4 de março de 1870, Martí reivindica a autoria da carta no Conselho de Guerra. Fermín Valdés se nega a abandonar seu amigo e declara que é autor da carta. O tribunal militar decide condenar Martí, de apenas 17 anos, a seis anos de trabalhos forçados e Valdés a seis meses de prisão. A dolorosa prova na prisão de Havana, onde é submetido a doze horas de trabalho diários, o marcaria para sempre: “Dor infinita, porque a dor do presídio é a mais rude, a mais devastadora das dores, a que mata a inteligência e seca a alma e deixa nela marcas que não se apagarão jamais.”

9. Em agosto de 1870, as autoridades coloniais comutam a pena de José Martí, cuja saúde não resiste aos maus tratos. Ele é transferido para a Ilha de Pinos (como era então chamada a Ilha da Juventude), em prisão domiciliar. No dia 15 de janeiro de 1871, José Martí é deportado para a Espanha, longe de sua família. A experiência marca profundamente o jovem patriota: “Sofri muito, mas tenho a convicção de ter sabido sofrer.”

10. Na capital espanhola, Martí contina militando a favor da independência de Cuba, convencido de que “a única força e a única verdade que existe nessa vida é o amor. O patriotismo não é mais que amor, a amizade não é mais que amor”. A filosofia de José Martí se baseia no amor: amor pela pátria, amor pela plebe e pelos humilhados.

11. José Martí se matricula na Faculdade de Direito da Universidade Central de Madri. Lúcido, sabe que a salvação do ser humano passa pela cultura : “Ser culto para ser livre. Saber ler é saber andar. Saber escrever é saber subir”. “A mão do decoro, a seiva da liberdade, a manutenção da República e o remédio para seus males é, sobretudo, a propagação da cultura.”

O cubano Pablo Milanés canta a Martí:

 

12. Em Madri, Martí publica, em 1871, Castillo e o Presídio Político em Cuba contra o sistema colonial e a opressão da qual o povo cubano é vítima. Em 1872, publica também 27 de novembro!, ode à memória dos 10 estudantes de medicina fuzilados pelo Exército espanhol. “Nós amamos cada dia mais nossos irmãos que morreram, nós desejamos paz a seus restos, porque eles vivem as agitações excelsas da glória.”

13. No dia 11 de fevereiro de 1873, depois da abdicação do rei Amadeu de Saboia, o Senado e o Congresso se constituem no Parlamento e proclamam a República Espanhola. José Martí escreve, então, A República Espanhola frente à Revolução Cubana e a envia a todos os membros do novo governo. O jovem patriota reafirma o direito inalienável de Cuba — em plena guerra contra a Espanha — de ser independente. Denuncia o sistema colonial injusto e obsoleto e lembra que “a liberdade não pode ser fecunda para os povos que têm a cara manchada de sangue”. Segundo ele “não deve ser respeitada a vontade que oprime outra vontade” e República Espanhola não pode “rejeitar jamais a vontade unânime de um povo”. “O direito de insurreição”, é inalienável para um “povo maltratado, endurecido, oprimido, saqueado, vendido”. Qualquer outra saída que não seja a plena soberania é ilusória já que “os rebeldes não cedem” e um “republicano honrado” não pode negar a “um povo o direito que usou para si”. Cuba escreve “com sangue sua resolução irrevogável” e “sobre os cadáveres de seus filhos se levanta para dizer que deseja firmemente sua independência”. Para Martí, a República deve ser consequente com seus princípios fundadores. Se rejeita a conquista e a opressão, não pode aceitar o status quo em Cuba. Se a República Espanhola se baseia no sufrágio universal e na vontade do povo, deve acontecer o mesmo em Cuba. “Quando um povo expressa mais firmemente seus desejos do que quando pega em armas para consegui-los? [...] Cuba reclama a independência a qual têm direito pela vida própria que sabe que possui, pela enérgica constância de seus filhos, pela riqueza de seu território, pela natural independência deste, e, mais que tudo, e esse motivo está acima de todos os outros, porque assim é a vontade firme e unânime do povo cubano. Cuba quer ser livre [...] por lei de sua vontade irrevogável, por lei da necessidade histórica, tem de conseguir sua independência”.

14. O estado de saúde de Martí piora em 1872 pelas sequelas deixadas pelos trabalhos forçados. Afetado por um tumor produzido pelas correntes que teve de carregar na prisão, é operado várias vezes. Viaja para a casa de seu amigo Fermín Valdés Domínguez em Zaragoza convalescente e aproveita o tempo para conseguir, entre 1872 e 1874, sua licenciatura em Direito Civil e Canônico e em Letras e Filosofia.

15. Em janeiro de 1875, José Martí viaja para Veracruz, no México, passando por Paris e pela Inglaterra, para se reunir com sua família, que não vê desde janeiro de 1871. No México, Martí entra no universo do jornalismo e publica, entre 1875 e 1877, numerosos artigos na revista Universal sob os pseudônimos de Anáhuac e Orestes. Seu tema predileto continua sendo a independência de Cuba e da América Latina. Sensível à condição dos trabalhadores e camponeses, colabora com o diário El Socialista, órgão de imprensa do Grande Círculo dos Operários do México. Aborda, também, diversos temas vinculados à política nacional do México e se interessa pela arte e pela literatura. Depois, colaboraria com periódicos e revistas de toda a América alcançando fama continental (La Nación, de Buenos Aires, La América, de Nova York, El Partido Liberal, do México, La Opinión Pública, de Montevidéu, e La República, de Honduras).

16. Rapidamente, o mundo intelectual asteca celebra Martí e o integra em seus círculos. Funda a Sociedade Alarcón com eminentes figuras mexicanas e se associa à Sociedade Hidalgo a pedido de seus membros.

17. Em 1877, se casa com Carmen Zayas-Bazán y Hidalgo, uma jovem cubana, na capital asteca. Em 1878, nasce José Francisco, seu único filho, a quem Martí dedicaria seu primeiro livro de versos Ismaelillo.

18. A deposição do governo de José María Iglesisas pelo general Porfirio Díaz obriga Martí a abandonar o México e viajar clandestinamente para Havana sob o nome de Julián Pérez, em 1877.

19. Martí se instala na Guatemala em abril de 1877. Graças a várias cartas de recomendação enviadas por José Mariano Domínguez, pai de seu amigo Fermín, José Martí consegue uma cátedra de literatura e de filosofia na Universidade Nacional. Dá também aula voluntárias na Academia para Chicas de América Central (Academia para Garotas da América Central). Conhece ali María García Granados, filha do general Miguel García Granados, poeta e figura intelectual da independência nacional, a quem dedica seu famoso poema de amor A menina da Guatemala.

20. O governo da Guatemala pede a ele um estudo sobre o sistema jurídico nacional e surge, em 1877, o artigo Os Novos Códigos. José Martí lembra na introdução que “o primeiro dever do homem atual é ser um homem de seu tempo”, e ressalta que não convém “aplicar teorias alheias, mas descobrir as próprias”. Martí celebra o ato de emancipação que constitui o novo código guatemalteco e chama o resto do continente a seguir essa via, a se libertar da herança colonial, a retomar “a obra natural e majestosa da civilização americana”, que sofreu com a “ingerência de uma civilização devastadora”, e a se libertar de seu complexo de inferioridade: “Estude e, depois, acredite”. Para Martí, “os nascimentos de novas nacionalidades requerem novas legislações” e, nos povos livres, o direito deve ser “claro” e “popular”. Segundo o cubano “a Guatemala não cumpriu, do ano 21 até agora, obra tão grande como essa”, já que “a independência teve uma forma” e “o espírito novo encarnou na lei”. É imprescindível ser “americano na América” e republicano na República. Assim, emerge a “nacionalidade viva e gloriosa”.

21. Profundamente marcado pelo destino dos povos indígenas, a “raça” e suas terríveis condições de vida, Martí toma sua defesa e publica Pátria e Liberdade, no qual denuncia as discriminações das quais são vítimas: “Depois de ferir seu espírito de homem, já não sobra ao índio dos campos mais que costas para levar as cargas da igreja, para pagar tributo aos caciques, para comprar as telas do espanhol”. Para Martí, a América não pode existir sem os indígenas. Vinculando o destino dos índios — povo autóctone e único legítimo segundo Martí — ao do continente, declara que “até que se possa fazer o índio andar, não começará a andar bem a América”, uma vez que “a inteligência americana é uma pluma indígena”.
22. José Martí constata que a história do continente americano continua sendo desconhecida. Em fevereiro de 1878, funda a revista Guatemala com o objetivo de difundir a realidade latino-americana, suas tradições e seus costumes. O diário mexicano El Siglo XIX se encarrega da difusão da revista.

23. A assinatura do Pacto de Zanjón, em 1878, entre os rebeldes cubanos e a Espanha, que põe fim à Guerra dos Dez Anos, afunda José Martí na incompreensão. Ele decide ir para Cuba, convencido de que seu destino está ligado ao de sua pátria. Em uma carta de 6 de julho de 1878 a seu amigo Manuel Mercado lhe conta seu destino: “Levo meu infeliz povo na cabeça e acho que de um sopro meu dependerá um dia sua liberdade? […] Não para ser um mártir pueril; — para trabalhar para os meus, para me fortificar para a luta, vou para a Cuba”.

24. De volta a Cuba, Martí entra em contato com o patriota Juan Gualberto Gómez e tenta reorganizar o movimento independentista, no que se chamaria “A Guerra Pequena” (1879-1880). As autoridades coloniais prendem Martí e ele é acusado de conspiração com outros partidários da soberania de Cuba. Outra vez é deportado para Espanha, para Santander, em setembro de 1879.

25. Pouco tempo depois, José Martí consegue se refugiar na França e, depois, se exila nos Estados Unidos, onde viveria cerca de 14 anos. No dia 3 de janeiro de 1880, desembarca em Nova York e estabelece laços com os líderes independentistas cubanos. Os membros do Comitê Revolucionário Cubano o nomeiam unanimemente porta-voz no dia 9 de janeiro e ele se encarrega de associar os principais grupos patrióticos.

26. No dia 24 de janeiro de 1880, José Martí pronuncia seu primeiro discurso em território estadunidense, em Steck Hall . Orador dotado de um carisma excepcional, procede a uma análise lúcida da Primeira Guerra de Independência, faz um chamado pela união de todas as forças revolucionárias e estabelece as bases de uma nova epopeia revolucionaria que desembocaria na emancipação definitiva da ilha do jugo colonial espanhol: “Os grandes direitos não se compram com lágrimas — mas com sangue. [...] Que futuro sombrio o da nossa terra se abandonamos a seu próprio esforço os bravos que lutam e não nos unimos para auxiliar [...]. Antes de abrandar o esforço de fazer a pátria livre e próspera, o mar do sul se unirá ao mar do norte, e nascerá uma serpente de um ovo de água”.

27. No dia 26 de março de 1880, José Martí obtém o cargo de presidente interino do Comitê Revolucionário Cubano por três meses, depois da saída da expedição do general Calixto García em direção a Cuba.

28. Em janeiro de 1881, Martí abandona Nova York para se dirigir à Venezuela. Dá cursos em diferentes colégios e colabora com o diário La Opinión Nacional de Caracas. Na pátria de Bolívar, se desenvolve sua fibra latino-americana e internacionalista: “Da América sou filho: me devo a ela. E da América, [a Venezuela] é o berço; [...] Dê-me, Venezuela, em que servi-la: ela tem em mim um filho”.

29. Por sua proximidade a Cecilio Acosta, pensador venezuelano aborrecido com o presidente Guzmán Blanco, José Martí se vê obrigado a abandonar Caracas depois de escrever um artigo em homenagem a esse venerável intelectual, depois de seu desaparecimento em julho de 1881. Um mês depois, Martí volta a Nova York com o objetivo de organizar “a guerra necessária” e conseguir a independência definitiva de Cuba.

30. Em outubro de 1884, Martí se reúne pela primeira vez com os generais Máximo Gómez e Antonio Maceo, principais figuras do movimento independentista, em Nova York, e lhes expressa suas divergências. Está fora de questão fundar uma nação que repousaria unicamente no poder militar e que seria antidemocrática. Martí pede que se retarde o início da nova guerra contra a Espanha pois não pode ser realizada sem uma preparação minuciosa e uma declaração pública dos objetivos buscados.

31. Martí se envolve plenamente no projeto de emancipação de Cuba. No dia 25 de março de 1889, responde a um artigo do diário da Filadélfia The Manufacturer. Lembra que os cubanos não são “esse povo de vagabundos míseros ou pigmeus imorais” que o periódico descreve: “Temos sofrido impacientes sob a tirania; temos lutado como homens e algumas vezes como gigantes para sermos livres [...]. Merecemos, na hora de nosso infortúnio, o respeito dos que não nos ajudaram”.

Canção do músico cubano Silvio Rodríguez em homenagem a Martí:

 

32. No dia 19 de dezembro de 1889, José Martí pronuncia em Washington seu famoso discurso “Mãe América”, frente aos representantes de 18 governos latino-americanos. Trata-se de um vibrante chamado para libertar a última pátria americana presa pelo colonialismo espanhol. É hora de escrever, “em uma terra que ainda não é livre, a última estrofe do poema de 1810”, em referência ao processo de independência iniciado por Simón Bolívar. Martí adverte ao continente a ameaça da “águia” imperial, em referência aos “apetites” anexionistas dos Estados Unidos” e chama as nações latino-americanas a unirem-se e que não se submetam a Washington. Martí encoraja a América Latina a se libertar de seu complexo de inferioridade, elogiando sua capacidade criadora. Levanta a guarda contra os cantos de sereias procedentes do Norte e lembra da imperiosa necessidade de uma emancipação definitiva: “Somente perdura, é para o bem, a riqueza que se cria e a liberdade que se conquista com as próprias mãos”. Isso é imprescindível para preservar a identidade e a soberania da “América na qual nasceu Juárez”: “Sozinha e, como um povo, se levanta. Sozinha luta. Vencerá, sozinha”.

33. Em 1889, Martí funda a revista mensal La Edad de Oro, destinada às crianças, com o objetivo de dar a conhecer a história do continente e dos libertadores às novas gerações. No primeiro número, evoca a figura de Simón Bolívar: “Chegou um dia [um viajante] a Caracas ao anoitecer e, sem que sacudisse o pó do caminho, não perguntou onde se comia nem onde se dormia, mas como se chegava ao local onde estava a estátua de Bolívar [...]. Fez bem porque todos os americanos devem querer Bolívar como a um pai”.

34. Em 1890, José Martí é nomeado cônsul da República da Argentina e da República do Paraguai em Nova York.  Nesse mesmo ano, o Uruguai o nomeia representante oficial perante a Comissão Monetária Internacional. Esse feito excepcional — três nações decidem entregar sua representação diplomática a um cubano — ilustra o prestígio de Martí na América Latina, cuja vocação internacionalista o transforma no melhor embaixador do continente desde Bolívar. Ocupa esses cargos até 1891, ano no qual ele decide se consagrar cabalmente à empreitada revolucionária da independência de Cuba.

35. Em 1891, José Martí participa da Conferência Monetária Internacional de Washington como representante do Uruguai. O cubano se opõe com veemência ao projeto de união monetária continental, consciente dos perigos que representaria para as nações latino-americanas, que seriam dominadas irremediavelmente pelos Estados Unidos: “Quem diz união econômica, diz união política. O povo que compra, manda. O povo que vende, serve. É necessário equilibrar o comércio para garantir a liberdade. O povo que quer morrer vende a um só povo, o que quer se salvar, vende a mais de um. O influxo excessivo de um país com o comércio de outro se transforma em influxo político […]. Quando um povo forte dá de comer a outro, o usa”.

36. Em 1891, na La Revista Ilustrada de Nova York, José Martí publica seu magistral ensaio Nossa, canto de amor e de união, sem dúvida sua obra mais importante, que ocupa um espaço privilegiado na história das ideias latino-americanas. Martí reivindica a singularidade da identidade latino-americana e do caráter originário de seu povo. Toma a defesa dos humildes, isto é, dos camponeses, dos indígenas e dos negros, aos quais chama “o homem natural”, símbolo da autoctonia do continente. Segundo o intelectual cubano, o problema fundamental da América Latina não reside em sua suposta incapacidade histórica, racial ou cultural para se emancipar de sua herança cultural, mas na decisão funesta de copiar maquinalmente os modelos de organização sociopolítica europeus e estadunidense não adaptados à realidade da “Nossa América”, pois abandonavam à sua sorte os mais vulneráveis. “Com os oprimidos seria necessário fazer causa comum, para afiançar o sistema oposto aos interesses e hábitos de controle dos opressores. A colônia continuou vivendo na República”. Segundo Martí, “não há batalha entre a civilização e a barbárie, mas entre a falsa erudição [importada] e a natureza [latino-americana]”. A educação e a cultura devem ser latino-americanas e, para isso “a universidade europeia tem de ceder à universidade americana”. Martí fustiga ao “crioulo exótico” que rejeita suas origens e somente olha para a Europa e para os Estados Unidos. Os dirigentes políticos devem emergir do povo: “Os políticos nacionais devem substituir os políticos exóticos”. Longe de rejeitar as contribuições universais, José Martí reivindica primeiro uma base independente latino-americana: “Enxerte-se nas nossas repúblicas o mundo; mas o tronco deve ser o de nossas repúblicas”. É imprescindível preservar a identidade e soberania latino-americanas e lutar contra os egoísmos, as divisões e as guerras fratricidas. Os Estados Unidos representam o principal perigo com suas veleidades expansionistas e a união latino-americana é a única saída possível para preservar a independência dos povos: “O desdém do vizinho formidável, que não a conhece, é o perigo maior da nossa América [...]. As árvores hão de se colocar em fila para que não passe o gigante das sete léguas! É a hora da análise, da marcha unida, e temos de andar juntos, como a prata nas raízes dos Andes ”.

37. Por viver lá durante muitos anos, José Martí se transforma em um observador atento da sociedade estadunidense: “Vivi no monstro e conheço suas entranhas”. Ressalta a violência e a desigualdade que afetam os mais vulneráveis e enfatiza “duas verdades úteis à nossa América: o caráter cruel, desigual e decadente dos Estados Unidos e a existência nele contínua de todo tipo de violência, discórdia, imoralidade e desordem das quais se culpam os povos hispano-americanos”.

38. No dia 26 de novembro de 1891, José Martí pronuncia um discurso no Liceu Cubano de Tampa e lança as bases da futura Cuba soberana: “Eu quero que a primeira lei de nossa República seja o culto dos cubanos à dignidade plena do homem”.

39. Em janeiro de 1892, José Martí funda o Partido Revolucionário Cubano em Cayo Hueso, onde se encontra uma importante comunidade cubana composta majoritariamente por tabaqueiros, com a finalidade de associar todas as forças independentistas sob uma estrutura comum e levar adiante a luta pela soberania nacional de cuba. No dia 10 de abril, Martí é nomeado delegado do PRC. A chave é a união entre todos os clubes patrióticos e o objetivo público é conseguir a soberania plena de Cuba e Porto Rico. O Artigo Primeiro recorda que “o Partido Revolucionário Cubana é constituído para conquistar, com os esforços reunidos de todos os homens de boa vontade, a independência absoluta da Ilha da Cuba, e fomentar e auxiliar a de Porto Rico”. O objetivo é desencadear “uma guerra generosa e breve, destinada a garantir a paz, o trabalho e a felicidade dos habitantes da Ilha”.

40.  Em março de 1892, Martí lança o primeiro número do diário Patria, órgão oficial do PRC, que seria publicado até 1898 com um total de 522 números. No primeiro editorial intitulado “Nossas ideias”, Martí lembra da imperiosa necessidade da união dos “homens bons e úteis de todas as procedências”, que vivem no coração “o sacrifício da emancipação”. A guerra contra o colonialismo espanhol é inevitável e é “a consequência inevitável da negação contínua, dissimulada ou descarada das condições necessárias para a felicidade de um povo que resiste a se corromper e se desordenar na miséria”. Martí convoca o altruísmo, pois é preferível “a dignidade perigosa da vida inútil”, sendo “a paz republicana” o objetivo final.

41. Em setembro de 1892, José Martí consegue convencer ao general dominicano a dirigir os independentes cubanos. Veterano da guerra de 1868-1878, Gómez é um internacionalista convencido, reconhecido por seu gênio militar. Extraordinário estrategista, consegue a unanimidade entre os revolucionários e é nomeado general-em-chefe.

42. No dia 8 de dezembro de 1894, depois de dois anos de muito trabalho nos Estados Unidos e na América Latina para conseguir a união de todas as forças revolucionárias, José Martí assina o Plano de Fernandina, nome de um porto da Flórida, com o coronel María  Rodríguez, representante de Máximo Gómez, e o coronel Enrique Collazo, nomeado pelos independentistas da ilha, que estabelece as bases de uma insurreição curta e decisiva. Quando o projeto está a ponto de ser realizado com o desembarque de três expedições armadas vindas da Flórida, da Costa Rica (onde se encontra Antonio Maceo) e da República Dominicana (onde está Máximo Gómez), a bordo dos barcos Amadís, Baracoa e Lagonda, a intervenção das autoridades estadunidenses — opostas à independência de Cuba — depois de uma delação, retarda o início da Segunda Guerra da Independência. Washington confisca numerosas armas e dá, assim, seu apoio à Coroa espanhola.

43. No dia 29 de janeiro de 1895, José Martí assina a ordem de sublevação contra o império espanhol em Cuba. No dia 30 de janeiro, José Martí abandona Nova York a bordo do vapor Athos rumo à República Dominicana, para se reunir com Máximo Gómez. De comum acordo, decidem fixar a data da sublevação geral contra a Espanha para 24 de fevereiro de 1895.

44.  Em 25 de março de 1895, José Martí e Máximo Gómez redigem o Manifesto de Montecristo, na República Dominicana, programa de ação político-militar no qual reivindicam os objetivos da independência nacional. A guerra só pode terminar “por vitória ou sepultamento” e é “o produto disciplinado da reunião de homens inteiros que, no repouso da experiência, decidiram encarar outra vez os perigos que conhecem, e da congregação cordial dos cubanos das mais diversas origens, convencidos de que na conquista da liberdade ganham mais que no abjeto abatimento das virtudes necessárias para mantê-la”. Não há ódio por parte dos patriotas para com seus primos da península. “O solo cubano saúda na morte o espanhol a quem a crueldade do exercício forçoso arrancou de sua casa e de seu país para vir assassinar os homens da liberdade [pela qual] ele mesmo anseia”. Em uma carta, escrita no mesmo dia a seu amigo dominicano Fernando Henríquez y Carvajal, Martí recorda que a libertação de Cuba é vital para o continente: “As Antilhas livres salvarão a independência da nossa América”.

45. No dia 11 de abril de 1895, José Martí desembarca em Playitas, perto de Cajobabo, na parte oriental da ilha. Uns dias depois, em 15 de abril, os principais chefes independentistas decidem nomeá-lo major geral do Exército de Libertação.

46. No dia 18 de maio de 1895, nas vésperas de sua queda no combate, José Martí redige sua famosa carta para seu amigo mexicano Manuel Mercado: “Já estou todos os dias em perigo de dar minha própria vida pelo meu país e pelo meu dever — posto que entendo e tenho ânimos de realizar — de impedir a tempo, com a independência de Cuba que os Estados Unidos se estendam pelas Antilhas, e caiam, com mais força, sobre nossas terras da América [...]. As mesmas obrigações menores e públicas dos povos — como esse seu e meu — mais vitalmente interessados em impedir que em Cuba se abra, pela anexação dos imperialistas de lá e dos espanhóis, o caminho que é necessário impedir, e com nosso sangue estamos impedindo, de anexação dos povos de nossa América ao Norte revolto e brutal que os deprecia”.

47. Em 19 de maio de 1895, José Martí cai no campo de batalha durante um enfrentamento com as tropas espanholas em Dos Ríos, perto de Palma Soriano, quando se encontrava com Máximo Gómez e Bartolomé Masó. Negando-se a ficar na retaguarda, Martí se separa de sua tropa com ajuda de campo de Ángel de la Guardia e lança um ataque contra o Exército espanhol. É atingido por três balas que lhe provocam feridas mortais.

48. Cem anos depois do nascimento de José Martí, no dia 26 de julho de 1953, Fidel Castro encabeçaria um movimento insurrecional da juventude cubana, a chamada “geração do centenário”, em nome dos ideais do apóstolo cubano “o autor intelectual” do ataque ao quartel Moncada, contra a ditadura de Fulgencio Batista. Em 1 de janeiro de 1959, triunfaria a Revolução Cubana e se realizaria o sonho martiano de uma Cuba livre e soberana.

49. A Constituição cubana atual reivindica “o ideário de José Martí” e o Partido Comunista de Cuba é “um fiel continuador do Partido Revolucionário Cubano fundado por José Martí”.

50. Político, poeta, filósofo, professor, jornalista, diplomata, editor, tradutor e orador excepcional, José Martí é antes de tudo o símbolo da independência e da soberania de cuba e o arquiteto da nacionalidade cubana, a cubanía. Vetor de ideias universais de emancipação, lançou as bases da unidade nacional, não apenas contra o colonialismo espanhol, mas sobretudo contra o expansionismo dos Estados Unidos, preconizando, ao mesmo tempo, uma grande união pan-americana e a realização do sonho de Bolívar, a “Pátria Grande”. Ao mesmo tempo visionário e homem de seu tempo, precursor do anti-imperialismo estadunidense, convencido de que “pátria é humanidade”, uniu seu destino à sorte dos humildes, “com os pobres da terra”, como clamou em seus Versos Simples e foi fiel a seu adágio segundo o qual “o único autógrafo digno de um homem é o que deixa escrito com suas obras”.

Salim Lamrani é Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, é professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos.

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