quarta-feira, 17 de junho de 2015

Líder dos “Cinco Cubanos” fala sobre os 16 anos de prisão nos EUA

Em Porto Alegre, Geraldo visitou o Memorial Luis Carlos Prestes, que deve ser inaugurado ainda este ano.
Por Guilherme Santos
Por Marco Weissheimer no Sul 21

Gerardo Hernández Nordelo ficou 16 anos e 4 meses preso nos Estados Unidos. Ele fazia parte do grupo dos “Cinco Cubanos”, presos em 1998 na Flórida sob a acusação de espionagem. Os cinco faziam parte de um grupo da inteligência cubana que monitorava a prática de grupos sediados em Miami, acusados de promover invasões e atentados contra Cuba. Um desses atentados, organizados por Luis Posada Carriles, derrubou em 1976 um avião da companhia Cubana de Aviação, resultando na morte de 73 pessoas. Carriles vive até hoje em Miami, gozando da proteção do governo dos Estados Unidos. A missão de Gerardo Hernández e seus colegas era infiltrar e monitorar esses grupos para tentar evitar novos atentados contra alvos cubanos.

Acabaram presos e condenados às sentenças máximas. No caso de Gerardo, foram duas prisões perpétuas e mais 15 anos. “Eu era o único que não tinha data para sair”, relata o integrante da inteligência cubana que esteve em Porto Alegre na semana passada para agradecer a campanha de solidariedade coordenada pela Associação Cultural José Martí. Em entrevista ao Sul21, concedida no Memorial Luiz Carlos Prestes, Gerardo Hernández fala sobre a experiência de mais de 16 anos de prisão nos Estados Unidos e também sobre o presente e o futuro de seu país. Ele considera a melhoria das relações entre Cuba e Estados Unidos como algo inevitável e destaca que os povos dos dois países têm muitas coisas em comum.

Por outro lado, adverte que há setores nos EUA que verão essa reaproximação como uma oportunidade para tentar fazer o que não conseguiram por meio de invasões e atentados terroristas: derrotar a revolução cubana. Gerardo garante que o povo cubano não vive de costas para os problemas que precisa enfrentar. “Como toda sociedade, temos nossas luzes e nossas sombras. Felizmente, as nossas luzes são muito maiores que as sombras”, afirma.

Sul21: Você poderia falar um pouco sobre a tua formação e como acabou indo trabalhar no serviço de inteligência cubano, em Miami, trabalho este que resultou na tua prisão e de outros integrantes do grupo com o qual trabalhava?

Gerardo Hernández: Meu nome é Gerardo Hernández Nordelo, nasci em 1965 e completei 50 anos no último dia 4 de junho. Sou formado em Relações Políticas Internacionais, no Instituto Superior de Relações Internacionais, em Havana. Eu me graduei em 1989 e me inscrevi como voluntário para ir lutar em Angola, nos anos em que Cuba participava da guerra contra o colonialismo na África. Cumpri missão internacionalista em Cabinda, como chefe de um pelotão de exploradores.

Sul21: Quanto tempo você ficou lutando em Angola?

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Gerardo Hernández: Um ano. Quando regressei para Cuba estava pronto para começar a trabalhar no Ministério das Relações Exteriores quando o serviço de inteligência cubana me propôs uma missão especial. É sabido que, a partir de 1959, com o triunfo da revolução, começaram uma série de agressões e atos terroristas contra Cuba, provenientes, em sua maior parte, da Flórida. Elementos contrarrevolucionários treinados pela CIA passaram a operar no país desde os primeiros anos após a revolução. Após serem derrotados dentro do país, seguiram vindo da Flórida. Vinham em lanchas, se aproximavam da costa cubana e disparavam contra casas de pessoas humildes, de pescadores, contra hotéis e outras instalações. Isso se manteve por muitos anos com total impunidade.

No final dos anos 80, início dos 90, com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, pensaram que a Revolução Cubana estava com os dias contados e que era preciso dar o tiro de misericórdia para acelerar esse processo. Cuba começou a atravessar uma forte crise econômica e recorreu ao turismo para enfrentar essa crise. Nestes anos, o país viveu praticamente do turismo. Esses elementos pensaram, então, que atingindo a indústria do turismo conseguiriam derrubar a revolução. Começaram a intimidar os turistas para que não viajassem a Cuba. Uma das maneiras pelas quais fizeram isso foi colocando bombas em hotéis em Havana e em outros lugares. Houve ameaças de bombas inclusive em linhas aéreas que voavam para Cuba e transportavam turistas.

Sul21: Esses atentados eram praticados contra civis?

Gerardo Hernández: Sim, contra civis. Em 1997, por exemplo, colocaram seis bombas no Hotel Copacabana, cuja explosão resultou na morte de Fabio di Celmo, um turista italiano. Todos os cubanos tinham conhecimento disso. Assim, quando me propuseram essa missão, acabei dizendo que sim, que cumpriria essa missão com muito orgulho pelo meu país. A partir daí, recebi um treinamento que durou alguns anos e depois parti para a Flórida. Minha missão consistia em organizar e coordenar um grupo de agentes especiais que já estavam na Flórida. Eu recebia as informações que eles obtinham e as enviava para Cuba.

Entre esses agentes estavam pessoas que, supostamente, teriam abandonado Cuba, como é o caso de René González, que havia roubado um avião e desertado, como se fosse um traidor. Ele foi recebido como um herói nos Estados Unidos, graças precisamente à impunidade que fiz referência antes. Pessoas que cometeram assassinatos em Cuba para roubar embarcações foram recebidas como heróis nos Estados Unidos, sem ter que prestar nenhum esclarecimento à Justiça. René González chegou lá como um desertor. como um inimigo da revolução cubana, o que lhe permitiu se aproximar das organizações que operam na Flórida. Entre essas organizações estavam Alfa 66, Comando F4, Hermanos Al Rescate e outros grupos que tinha seus campos de treinamento na Flórida. Esses grupos não se escondiam. Operavam livremente e concediam coletivas para jornalistas vestidos com roupas camufladas e armas. Eles saíam de distintos pontos da Flórida para atacar Cuba, violando a lei de neutralidade que proíbe atacar outros países partindo do território dos Estados Unidos.

Esses grupos foram treinados e armados pela CIA nos primeiros anos após a Revolução Cubana. Depois, supostamente, a CIA não tinha mais nada a ver com eles. O fato é que simplesmente olharam para o lado e deixaram esses grupos seguir operando impunemente.

Sul21: O trabalho de vocês consistia em se infiltrar nestes grupos?

Gerardo Hernández: Sim, o trabalho era infiltrar nossos agentes nestes grupos. No meu caso, como oficial de inteligência, minha missão era coordenar as pessoas que se infiltravam nestes grupos. Eu tinha uma identidade falsa. Supostamente era porto-riquenho. Os outros agentes, como René (González) e Antonio (Guerrero), passavam as informações que obtinham para mim e eu as repassava para Cuba.

Sul21: E como ocorreu a prisão de vocês? O que deu errado?

Gerardo Hernández: Por volta de 1998, tinham ocorrido vários atentados contra Cuba. Em 1997, foram colocadas sete bombas, algumas não explodiram, mas foram várias as ações de sabotagem. Cuba tinha um conjunto de informações sobre quem eram as pessoas que estavam praticando esses atos, várias delas enviadas por nós, desde a Flórida. Sabia como atuavam e onde compravam os explosivos, entre outras coisas. Recebemos também a informação de que essas pessoas estavam planejando colocar bombas em aviões para atingir o turismo em Cuba, em linhas que voavam pela América Central, inclusive linhas pertencentes a empresas norte-americanas. Como isso afetava também diretamente aos Estados Unidos, Cuba pensou que seria útil compartilhar essas informações com eles.

Ocorreu, então, uma reunião secreta, em Havana, com a presença de alguns oficiais do FBI. Cuba repassou essas informações sobre o planejamento de atos terroristas contra aviões, esperando que fosse feito algo contra essas pessoas. Essa reunião ocorreu em julho de 1998. Em setembro do mesmo ano, prenderam dez pessoas, mas eram justamente as pessoas que tinham levantado essas informações. Chegou-se a interpretar de modo equivocado no passado que acabamos presos por conta dessa decisão de compartilhar informações com o FBI. Na verdade, quando ocorreu a reunião em Havana, nossa rede já havia sido detectada e estava sendo monitorada há algum tempo. As informações que Cuba compartilhou não comprometeram de modo algum as nossas identidades.

O que ocorreu, sim, na minha opinião, foi que essa aproximação entre Cuba e o FBI desagradou setores dentro do FBI, em especial o da Flórida, que era comandado por um portorriquenho com laços muito estreitos com a comunidade contra-revolucionária. Ele influiu dentro do Departamento de Justiça para que fôssemos presos.

Sul21: Quantos anos você ficou preso e como ocorreu o processo do julgamento?

Gerardo Hernández: 16 anos. Fomos presos no dia 12 de setembro de 1998. Ao todo, foram dez presos. Cinco deles não resistiram às pressões e decidiram cooperar com o governo norte-americano. Os outros cinco se mantiveram firmes. Três de nós, Ramon, Fernando e eu tínhamos identidades falsas e nos mantivemos assim por muito tempo, não reconhecendo que éramos cubanos. Inicialmente, fizeram ofertas para que traíssemos a revolução. Quando nos recusamos, nos enviaram a celas de castigo por 17 meses, sendo que os primeiros seis foram em regime de solitária, ficamos completamente isolados. O resto do tempo ficamos em celas, mas aí já deixaram que compartilhássemos a cela com mais um de nós. Como éramos cinco, um sempre ficava sozinho. Nos mantivemos assim até o início do julgamento, em 2001.

O julgamento durou aproximadamente seis meses e meio, foi um dos mais longos da história dos Estados Unidos. Apesar disso, houve um silêncio total sobre ele nos meios de comunicação. O julgamento ocorreu em Miami e, obviamente, não tivemos qualquer oportunidade de justiça, pois nesta cidade tudo o que tem a ver com Cuba é, digamos, muito problemático. Pedimos a mudança de sede do julgamento para Fort Lauderdale, que fica há apenas 20 milhas de Miami, mas a juíza recusou. Tecnicamente, pode-se dizer que nós ganhamos o julgamento. Nos convertemos de acusados em acusadores, denunciamos a história de atos terroristas e de agressões contra Cuba.

Alguns desses terroristas reconheceram abertamente o que faziam, sem nenhum problema. Utilizamos documentos do próprio FBI e da Guarda Costeira para mostrar que essas pessoas gozavam de total impunidade. De posse desses documentos perguntamos a representantes desses órgãos, por exemplo, se era verdade que no dia tal, no ano tal, vocês apreenderam uma embarcação com seis pessoas de origem cubana carregando armas automáticas e granadas? Sim, é verdade – responderam. É verdade que vocês recolheram as armas e os deixaram ir? – perguntamos ainda. Sim, eles nos disseram que estavam pescando lagostas – foi a resposta. Depois de um longo julgamento e de um processo de deliberação muito rápido, fomos considerados culpados e condenados às maiores sentenças possíveis. Cada um de nós cinco recebeu exatamente a sentença máxima possível. No meu caso, foram duas penas perpétuas, mais quinze anos.

Sul21: Por que duas penas perpétuas?

Gerardo Hernández: A primeira foi por conta da acusação de conspiração para cometer espionagem. Um de nós trabalhava em uma base militar, mas realizava trabalhos manuais e nem remotamente tinha acesso a nada que pudesse ser considerado secreto. Além disso, a lei norte-americana estabelece que, para uma informação ser considerada secreta, ela tem que estar protegida e não ser de domínio público. No julgamento, não foi apresentada nenhuma prova de que tenhamos tido acesso a alguma informação deste tipo. Três de nós recebemos cadeia perpétua por conta disso. No meu caso, eu recebi uma segunda perpétua por causa de um incidente que ocorreu em 1996 envolvendo a organização Hermanos Al Rescate, comandada por José Basulto, treinado pela CIA na década de 60 para executar ações de sabotagem. Basulto foi infiltrado em Cuba para apoiar com ações de sabotagem a fracassada tentativa de invasão da Baía dos Porcos.

Anos depois, essa pessoa se apresenta como um pacifista e funda a organização Hermanos Al Rescate, supostamente destinada a resgatar “balseiros” que tentavam fugir de Cuba. Em 1995, se firmaram acordos migratórios entre Cuba e Estados Unidos e as pessoas que arrecadavam dinheiro para esse trabalho de resgate deixaram de contribuir para essa organização, que passou a enfrentar sérios problemas financeiros. Basulto, que é uma pessoa muito astuta, criou uma nova maneira e atuar e passou a voar com aviões dentro do território cubano, inclusive com voos rasantes sobre edifícios em Havana, para lançar panfletos de propaganda. Os aviões da Força Aérea de Cuba escoltavam esses voos para fora do espaço aéreo, mas eles acabavam voltando e repetindo essas invasões. Quando regressavam a Flórida, convocavam entrevistas coletivas e zombavam da aviação cubana que, segundo eles, não tinha gasolina e não podia fazer nada contra eles.

Isso ocorreu muitas vezes. Cuba enviou aos Estados Unidos dezesseis notas diplomáticas protestando contra a invasão de seu espaço aéreo e pedindo providências. Nunca tomaram nenhuma medida. Em uma última nota diplomática, Cuba disse que não toleraria mais nenhuma invasão. No dia 24 de fevereiro de 1996, houve uma nova violação do nosso espaço aéreo e a Força Aérea cubana derrubou dois destes aviões. Morreram quatro pessoas. Eu não tive absolutamente nada a ver com isso e estava em Miami quando o fato ocorreu. No início do nosso julgamento, há havia nenhuma acusação relacionada a este episódio. Meses depois, acrescentaram uma nova acusação no processo e disseram que eu tinha feito parte de uma conspiração para derrubar esses aviões. Foi algo completamente absurdo. Mesmo que eu tivesse alguma relação com o episódio, a derrubada dos aviões ocorreu em território cubano. Disseram que um dos aviões tinha violado o espaço aéreo cubano, mas o outro estava em águas internacionais e, assim, a derrubada teria sido um crime.

Agora, para que eu fosse culpado de envolvimento neste episódio deveriam ter apresentado alguma prova de que eu tinha conhecimento de que o governo cubano pretendia derrubar os aviões ou que tinha feito alguma coisa que contribuiu para isso. Não apresentaram nenhuma prova e tampouco demonstraram que a derrubada de um dos aviões ocorreu em águas internacionais. Mesmo assim me declararam culpado e me deram mais uma perpétua por isso. Posteriormente, em uma corte de apelações, uma juíza escreveu dezesseis páginas defendendo que eu não tinha nada a ver com isso, mas de nada adiantou.

Sul21: E como foi a experiência de 16 anos de encarceramento? Você ficou sempre na mesma prisão?

Gerardo Hernández: Não. Até 2002, ficamos no centro de detenção federal de Miami, que é um edifício onde ficam presas as pessoas que estão aguardando a definição de seu processo legal. Quando fomos condenados, nos colocaram em cinco prisões diferentes, o mais afastado possível um do outro. No meu caso, fui enviado a uma antiga prisão de segurança máxima na Califórnia, onde permaneci dois anos. Em função de ser uma instalação muito velha, foi convertida depois em prisão de média segurança e eu fui transferido para outro estabelecimento na área do deserto de Mojave, perto de Los Angeles. Aí fiquei preso durante dez anos e quatro meses até que ocorreu nossa libertação no final do ano passado.

Foi uma experiência muito difícil. Mesmo sabendo que não éramos criminosos e que nossos delitos tinham uma conotação política, sempre nos colocaram para conviver com criminosos comuns, como violadores, traficantes e assassinos. No meu caso, sempre estive em prisões de segurança máxima, convivendo com criminosos de alta periculosidade. Vi pessoas serem assassinadas na prisão, vi todo tipo de problema neste espaço de 16 anos.

Sul21: Neste período você chegou a receber visitas de amigos e familiares?

Gerardo Hernández: Nos primeiros anos houve muitas dificuldades para isso. Sempre colocaram muitos obstáculos para essas visitas. Depois, houve um período em que permitiram a visita de familiares. A minha mãe conseguiu me visitar antes de morrer. Já em relação à minha esposa, me deixaram 12 anos sem poder vê-la. Após vários anos, deram um visto para a minha esposa Adriana e eu fiquei sonhando com essa visita depois de tanto tempo. Mas quando ela chegou ao aeroporto de Houston, no Texas, foi detida, interrogada durante 11 horas e colocada de volta em um avião para regressar a Cuba. Foi muito difícil para todos nós. Ocorreu um problema também com a mãe de Antonio que fez um grande esforço para ir visitá-lo, mas quando chegou na prisão a informaram que ele havia sido transferido para um tratamento médico. Enfim, ocorreram problemas de todo tipo em relação a essas visitas.

Sul21: E como foi o processo de libertação? Vocês tinha esperança que isso pudesse ocorrer?

Gerardo Hernández: Foi uma surpresa, uma surpresa muito agradável. Não esperava por isso. Eu era o único que não tinha data de saída. Antonio e Ramón, que tinham uma condenação a prisão perpétua conseguiram que um juiz de apelação reduzisse essas penas para 30 e 25 anos. No meu caso, o juiz disse que a sentença era excessiva, mas como havia duas penas perpétuas não havia o que fazer, ou seja, eu não tinha data de saída. Em dezembro de 2014, sem me informarem sobre nada, me transferiram para uma prisão de Oklahoma, que é um centro de passagem. Aí fiquei por onze dias sem saber de nada. Depois me levaram de avião para outra prisão na Carolina do Norte, para onde também foram levados Antonio e Ramón. No dia 16 de dezembro, nós nos encontramos e fomos informados que havia um acordo entre Cuba e os Estados Unidos e que o presidente Obama havia comutado as nossas sentenças. Foi uma alegria muito grande. No dia seguinte, 17 de dezembro, chegamos em Cuba. Fizemos toda essa viagem com correntes nos pés e na cintura. Elas só foram removidas quando o avião aterrissou em Cuba.

Sul21: Como foi o reencontro com Cuba, mais de 16 anos depois? Qual a sua percepção sobre o país que reencontrou depois de tanto tempo?

Gerardo Hernández: Foi muito emotivo. Tratava-se de um reencontro com nossos familiares e de um reencontro com a nossa pátria e com o nosso povo. Estivemos presos 16 anos, mas já estávamos fora de Cuba há alguns anos, ou seja, foram ao redor de 20 anos longe. Assim que pisamos em território cubano começamos a receber muitas demonstrações de carinho, admiração e respeito, que persistem até hoje. Em termos gerais, reencontrei o mesmo país, o mesmo povo. É claro que nada se mantém estático no tempo. Cuba mudou. Algumas coisas mudaram para melhor e umas poucas mudaram para pior. Como toda sociedade, temos nossas luzes e nossas sombras. Felizmente, as nossas luzes são muito maiores que as sombras. Temos consciência que temos muitos desafios pela frente e precisamos trabalhar como sociedade para ir melhorando. Eu encontrei um país que avança e uma população que, majoritariamente, se sente otimista em relação ao futuro. Não viramos às costas aos nossos problemas. Sabemos quais são em que direção devemos trabalhar para resolvê-los, em um contexto de muitas dificuldades econômicas, de um bloqueio criminoso mantido por mais de 50 anos.

Sul21: Como você avalia essa nova etapa de relacionamento com os Estados Unidos, que acabou propiciando a libertação de vocês?

Gerardo Hernández: O processo de melhoria das relações com os Estados Unidos é inevitável. É uma situação anormal que dois países vizinhos mantenham o tipo de relação que nossos países mantiveram durante mais de meio século. Obviamente, todos sabem quem agrediu a quem e quem manteve o outro sob ameaças durante esse tempo. Não é um segredo para ninguém que Cuba nunca agrediu os Estados Unidos, nunca financiou grupos para promover invasões e atentados em seu território. Mas há um fato real: os nossos povos são vizinhos. A grande maioria do povo americano não tem essa animosidade visceral que o seu governo alimentou em relação a Cuba. É normal que se trabalhe pela reaproximação dos dois povos. Temos muitas coisas em comum e há um número considerável de cubanos que residem nos Estados Unidos.

Por outro lado, como a maioria dos cubanos, estou consciente que esse processo de reaproximação traz uma série de desafios. Não podemos confiar na boa vontade de certos setores dos Estados Unidos que olham essa aproximação não como uma oportunidade de convivência e de melhoria da relação entre nossos povos, mas sim como uma oportunidade para derrubar o governo cubano e para destruir a revolução cubana. Esses setores, que são muito poderosos dentro dos Estados Unidos, não vão desistir de sua intenção de destruir a revolução cubana e verão nesta aproximação uma via para tentar fazer o que não conseguiram por meio do terrorismo e das agressões. Nós, cubanos, não podemos perder esse quadro de vista.

Sul21: Esses grupos que vocês infiltraram e monitoraram na Flórida seguem existindo?

Gerardo Hernández: Sim, mas depois do 11 de setembro tiveram que ser mais cuidadosos e não puderam mais ficar alardeando suas atividades. A linguagem mudou depois do 11 de setembro e a palavra “terrorismo” adquiriu uma nova conotação. Cuba vinha sendo alvo de terrorismo há 50 anos, mas o povo norte-americano não sabia disso. A palavra “terrorismo” não tinha um significado mais direto para eles. Quando sofreram o problema na própria carne, essa palavra tornou-se mais familiar. Assim, esses grupos da Flórida se cuidam muito para não serem associados a essa palavra. Tiveram que passar a agir com mais cuidado, não mais com a impunidade de antes. Mas seguem aí, seguem com seus campos de treinamento e dizendo que seu objetivo é derrotar a revolução cubana.

Sul21: Quais são os teus planos para o futuro, agora que recobrou a liberdade?

Gerardo Hernández: Além de passar muito tempo com a minha família, com a minha esposa Adriana e minha filha Gema, meu plano fundamental e único é continuar servindo ao meu povo, onde for necessário. Eu me considero um soldado da revolução e meu plano principal é seguir servindo meu país e meu povo. Onde acharem que eu puder ser útil, aí estarei.

Sul21: Se te pedissem para executar uma missão semelhante a que acabou resultando na tua prisão nos Estados Unidos, você aceitaria?

Gerardo Hernández: Penso que as circunstâncias não são as mesmas, mas se meu país precisar que eu cumpra uma missão similar, sem dúvida que eu irei cumpri-la.

Um comentário:

  1. Então, Kafka tinha toda a razão quando escreveu "O Processo". É uma pura questão de ódio, de orgulho ferido que os Estados Unidos da América do Norte nutrem pela Ilha!

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