quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A democracia no estilo estadunidense acaba não sendo opção para Cuba

A abertura das relações entre Estados Unidos e Cuba tem sido muito debatida. Aqui, Avi Chomsky traduz as vozes de intelectuais cubanos, excluídos da mídia ocidental

Outdoor em Cuba: Pátria ou morte! Venceremos!
Por Avi Chomsky no ROAR Magazine / Tradução: Guerrilha GRR

No dia 17 de dezembro de 2014, o presidente Barack Obama anunciou que estava ordenando “mudanças mais significativas nas relações entre Cuba e os EUA”, e que o povo norte-americano estava “mudando a sua relação com o povo de Cuba”. Embora apenas o Congresso possa acabar com o embargo, as mudanças anunciadas por Obama eram de fato significativas: o re-estabelecimento de relações diplomáticas, a abertura de uma revisão da designação de Cuba como um “patrocinador do terrorismo de Estado”, e facilitar as viagens entre turistas, o comércio e a ajuda humanitária entre ambos os países.

O discurso veio na esteira de uma série de embaraçosos projetos e ações dos Estados Unidos, como os programas secretos desajeitados destinador a promover a “sociedade civil” em Cuba, como foram revelados pelo WikiLeaks, onde deixava claro o apoio financeiro do governo norte-americano com dissidentes. Obama reiterou a meta dos EUA para mudar as políticas nacionais e internacional com Cuba, mas explicou que os 50 anos de hostilidade não havia atingido a sua meta, portanto, era a hora de uma nova abordagem. No entanto, “vamos continuar a apoiar a sociedade civil cubana”, assegurou o presidente. “Eu respeito a sua paixão e compartilho com seu compromisso com a liberdade e democracia”.

Avi Chomsky
A mídia norte-americana procurou reações nas ruas de Miami e Havana, e entre os poucos escolhidos “dissidentes” em Cuba. A grande mídia geralmente ignora os estudiosos e acadêmicos cubanos que foram lançando as bases para a melhoria das relações ao longo de várias décadas, visitando os Estados Unidos (quando o Departamento de Estado concordou em deixá-los), em colaboração com colegas norte-americanos que, participavam ativamente com pesquisas e deixando clara sua oposição às políticas dos Estados Unidos, e insistindo no direito de Cuba ter a sua própria maneira de tratar a política e seu próprio ritmo, não como manda seu vizinho do norte.

A revista cubana “Temas” reuniu críticas de intelectuais cubanos desde o início de 1990. Não se trata dos “dissidentes” apoiados e promovidos pelo Departamento de Estado dos EUA, e sim de cubanos progressistas que estão envolvidos nacional e internacionalmente em debater as mudanças, forçadas e desejadas, que vêm ocorrendo em Cuba desde a queda do bloco soviético.

Temas respondeu ao anúncio de Obama, pedindo que pesquisadores de ambos os países comentassem sobre uma série de questões, e publicou as respostas no blog da revista. Do lado dos EUA, a lista de acadêmicos incluia cientistas políticos como Jorge Domínguez (Universidade de Harvard) e William LeoGrande (Universidade Americana), e o historiador Margaret Crahan (Columbia). Mas, enquanto os leitores cubanos tinham acesso a essas vozes, os leitores americanos tinham pouco acesso aos seus homólogos cubanos.

Os estudiosos cubanos, como os norte-americanos, elogiaram a diminuição das hostilidades. Porém o economista Pedro Monreal advertiu que as “novas políticas entre os dois países têm potencial de influenciar positivamente no desenvolvimento de Cuba, mas é preciso ficar claro que, em si, essas políticas não serão suficientes para tornar Cuba economicamente próspera ou trazer sobre o país a pauta da democracia popular ou justiça social”. Cada palavra é importante aqui. Enquanto os Estados Unidos em geral, e o Obama explicitamente em seu discurso, colocam a pretensão de promover a “democracia” em Cuba, Monreal enfatiza que a democracia ao estilo norte-americano não é a única opção. “Democracia popular” ou “justiça social”, no estilo cubano, sugere um objetivo revolucionário, com implicações muito diferentes.

Monreal conclui que “um quadro favorável que garante um poder político real para a maioria dos cidadãos – especialmente através da prevenção da desigualdade – seria a melhor garantia de que o reencontro da sociedade cubana com a sociedade capitalista mais forte que já existiu, os Estados Unidos”. Ou seja, trata-se de não impor a Cuba que reproduza automaticamente o modelo ao qual se caracteriza os EUA, como foi feito no século XX em diversos países da América Latina e do Caribe.

O analista político e membro do conselho editorial da revista Temas, Carlos Alzugaray, observou que os estereótipos dominam as impressões em cada país. “Para a maioria dos cubanos, os Estados Unidos são uma potência imperialista que tem sido tradicionalmente contrária a nossa independência nacional e, portanto, tudo o que vem de nosso vizinho do norte deve ser visto com desconfiança. Para a maioria dos norte-americanos, o governo cubano é uma ditadura comunista horrível que constitui uma ameaça para os Estados Unidos. Esses estereótipos criam uma desconfiança e impediram um movimento em direção a relações civilizadas”.

Como Monreal, Alzugaray sublinha que a manutenção da independência cubana durante o processo de aquecimento das relações é essencial. “Os cidadãos e as instituições devem pensar profundamente e atuar com agilidade para promover tudo o que é do nosso interesse nacional. Isto poderia significar aproveitar as circunstâncias econômicas, comerciais e financeiras, sem fazer quaisquer concessão em relação à nossa independência, autodeterminação e segurança”.

“Ainda assim, há também vantagens comparativas em relação cultural entre os Estados Unidos e Cuba. Os cubanos são culturalmente mais norte-americanos do que a maioria do hemisfério. Os norte-americanos geralmente sentem-se menos ‘estrangeiros’ em Havana do que em outras capitais, para não mencionar a segurança. Se eles vierem, eles podem ver por si mesmos que os cubanos não precisam dos Estados Unidos para “se mover para o século XXI”, como Obama disse em seu discurso. Em vez disso, eles precisam que os Estados Unidos parem de impedir o acesso do povo cubano à tecnologia. Seria melhor para as duas sociedades o encontro uns dos outros, sem tentar interferir nos negócios uns dos outros, como vizinhos que compartilham uma paixão pelo beisebol, Studebakers, Jazz, hip hop, filmes, entre outras muitas coisas.”

Avi Chomsky é uma historiadora americana e professora da Universidade Estadual de Salem. Ela é autora de, entre outros, “A História da Revolução Cubana” e “Eles tomam nossos empregos! E vinte Outros Mitos sobre a Imigração”.

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